“Salve-se”: Bebé desafia a superficialidade da música contemporânea em seu segundo álbum

Lançado pela Coala Records, o disco combina profundidade lírica e experimentação sonora, explorando desde o funk ao trap, para criar uma obra coesa que reflete crises, revelações e autoconhecimento.

PoroAberto
4 min read2 days ago
Bebé Salvego — Foto: Wallace Domingos

Muito se fala da falta de profundidade e maturação da música contemporânea, enredada pela lógica dos streamings, views, likes, auto-promoção etc. Entre um disco e outro, a pressão sobre o artista atrapalha o que de fato importa: o processo de criação. Não parece ser o caso de Bebé, que lançou seu segundo disco em maio pela Coala Records, Salve-se.

O título representa o que as músicas do álbum expressam, bem como é uma brincadeira que Bebé faz com seu sobrenome, Salvego. A vinheta de introdução leva o mesmo título do álbum e traz a voz doce de Bebé acompanhada por um coro de vozes e uma ambientação leve. Nela, delinea o que está por vir nas outras 9 faixas.

“Desalinhar nós sem tem que desmanchar
Onde quero chegar quando me vejo
Quem vai me salvar a não ser eu mesmo?”

E então entramos na sonoridade densa que será explorada nessa produção, assinada por Bebé junto a Sergio Machado Plim. Programações eletrônicas ora psicodélicas, ora dançantes — o que virá de forma mais intensa e clara nas faixas mais adiante -, efeitos na voz, cortes, crescendos e camadas que integram a dimensão reflexiva das letras.

“Recado Dado” conta com a participação de Dinho Almeida, dos Boogarins, e a parceria não podia ser mais acertada, já que a voz e o estilo de ambos são convergentes. Mais uma vez, a letra é cheia de percepções sobre as relações e como elas influem no “eu”. A frase que mais se repete — sem ser um refrão — é uma espécie de ditado e cumpre a função de chamar nossa atenção sempre que a estrutura da música retorna a ela:

“você sabe o que pensa de mim
eu quero que cê pense assim
pra te mostrar quem bate quem é prego”

Outro recurso que aparece ainda nessa primeira faixa e que Bebé irá explorar de maneira inédita (já que não fazia parte de seu excelente primeiro álbum homônimo, de 2021) é a da rima falada, do rap. Inclusive, em “Fiquei de cara”, que vem em seguida. Mais dançante, é uma espécie de funk cool em que apenas o refrão é cantando — mais uma vez, fazendo com que fiquemos presos à música.

“Assome”, parceria de Bebé com Bruno Rocha, foi o single escolhido para ser lançado antes do álbum e que conta com clipe dirigido por Tristian Pae & Martina Quezado, em que Bebé aparece sozinha em um ambiente etéreo. É interesante como sua temática se constrasta com as anteriores, já que em vez de repelir a pessoa a quem se dirige, espera por ela — ainda que mostrando batalhas internas: “preciso ir embora mas to presa no meu medo / tento ir embora mas meu medo me consome”.

A segunda e última parceria do álbum é “De ponta cabeça”, de Bebé com o rapper carioca BK, com quem já havia colaborado em Ícarus, álbum dele de 2022. Eles compuseram juntos “Em nome do que sinto”, em que Bebé participa da faixa gravada. Além disso, eles vêm se apresentando juntos nos principais palcos de São Paulo e Rio de Janeiro, como a Audio e o Circo Voador. Não será surpresa se ele aparecer para participar dos shows de lançamento dela, porém seguimos na expectativa.

A referência ao funk reaparece em “Gelo”, outra faixa dançante. Mas aqui é interessante notar algo que perpassa o disco: por mais que ele tenha uma sonoridade eletrônica demarcada, traz beats espaçados, que dão margem à imaginação do ouvinte, em vez de entregar obviedades. “Gelo” tem uma sensualidade mais ou menos parecida com “Assome”, mais direta, talvez, e nela Bebé experimenta ao incluir o que seria um diálogo por áudio de Whatsapp, de dimensão abstrata e psicológica, marcado pela linguagem da fala cotidiana e suas gírias.

Era mais ou menos esperado que Bebé, em algum momento, chegasse ao trap em seu disco, por causa do seu estilo de composição, voz e produção. E é em “Day Bye Day” que o subgênero do rap emerge mais evidente, inclusive nos efeitos utilizados na voz. Enquanto que a organicidade dos instrumentos não eletrônicos surgem claramente em “Quem diria” e “Eu quero viver”. Na primeira, principalmente a bateria de Sergio Machado ganha vida, com uma levada que parece oscilar em ondas. Já a segunda é a que mais lembra a Bebé do primeiro disco, com uma linha de baixo bem delineada e sua voz mais natural e melodiosa.

Salve-se tem uma abertura e experimentação que passeia por diferentes universos sonoros, mas de maneira coesa, conectando os ritmos explorados, como o funk e o trap, e ainda dando espaço para o orgânico. Sua lírica é densa, permeada por crises e revelações, mas também de crítica e reconhecimento ao entorno e às relações cultivadas. Não à toa, termina com a frase que dá nome à última música se repetindo: “eu quero viver, eu quero viver”.

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