Rosa Passos recria de forma única os clássicos de Tom Jobim
Rosa Passos tem sido, repetidas vezes, chamada de a “João Gilberto de saias” pelo machismo de plantão. O vulgo foi dado por Ruy Castro em texto sobre a compositora, violonista e intérprete. Que um jornalista de sua geração tenha escrito tais caracterizações sobre o trabalho de uma mulher, vá lá, mas a repetição é injusta e foi desconstruída pelo próprio João Gilberto.
Flor, você é o meu perfil com o seu perfil. Não é João Gilberto de saias, é você
Essa é a história que Rosa Passos conta sobre o que João Gilberto disse a ela em um de seus encontros no flat em que ele morava em Ipanema, no Rio de Janeiro.
Foi essa a Rosa, uma Rosa inteira e única, que se apresentou ontem no encerramento da 5ª edição do Sesc Jazz, no teatro do Sesc 14 Bis. Acompanhada do quarteto formado por piano, clarineta, baixo acústico e bateria, ela apresentou sua interpretação de um repertório seleto de Tom Jobim.
De cara ela já deixou suas escusas. A primeira, de que só apresentaria ali músicas muito conhecidas do cancioneiro popular, quase um clichê. A segunda é que tantas pessoas já interpretaram Tom Jobim, suas músicas são tão exaustivamente tocadas — apesar de lindas, claro — , que era preciso que esse trabalho tivesse uma assinatura. E foi para alcançar esse objetivo que ela trabalhou e fez o dever de casa.
Rosa tem como características mais marcantes a proposta de andamento do canto, o deslocar das sílabas poéticas e melódicas, os arranjos retrabalhados à sua maneira — daí, claro, sua associação com a bossa nova e de seu inventor ao violão. E foi ele, ela sempre diz, que a inspirou trocar o piano pelas cordas de aço e/ou nylon ainda jovem.
Mesmo sabendo que Rosa Passos recriou Tom Jobim à sua própria maneira e que o resultado não é menos do que excelente, vê-la ao vivo é degustar do processo. Porque sua postura musical incorpora o momento, porque a banda a acompanha em cada respiração mais longa ou mais curta, mais funda ou inexistente. Bem como à sua descontração de brincar com os músicos e o público enquanto canta. Improvisos que criam a tensão própria de seu exercício, mas que não têm a menor chance de dar errado.
A ansiedade maior, pelo menos com relação à minha expectativa, era ver Rosa Passos tocando violão. Ela tocou apenas 2 músicas, acompanhada apenas pelo baixo. Em um desses momentos, dispôs o violão de cabeça para baixo em seu colo e o batucou, em consonância com as cordas, a letra da música, e suas improvisações vocais. Bem como às do baixista (Paulo Paulelli) também, que marcavam o ritmo e formavam nova camada de som. Um diálogo perfeita e complexamente construído.
Por fim, para não ficar narrando todo espetáculo, um de seus pontos alto foi “Lígia”, talvez a que mais exigiu esforço físico da cantora e nos arrancou de um possível estado de passividade. Some-se a tudo isso a doçura da pessoa de Rosa, generosa e brincalhona no palco.