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Festival In/Out

PoroAberto
7 min readSep 2, 2020

Começa hoje o festival online In/Out, que reúne 11 projetos de 6 países da América do Sul — Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia e Uruguai -, através dos canais da plataforma COINCIDENCIA, um programa de intercâmbios culturais entre Suíça e América do Sul desenvolvido pelo instituto suíço Pro Helvetia. Ao programa Coincidencia, está vinculada a plataforma de música experimental e arte sonora Incidencia, cuja curadoria e gestão é feita por Chico Dub, responsável pelo In/Out.

O festival terá início às 18h de hoje, no Brasil, e trará diferentes formatos de apresentação por cada um dos projetos selecionados, compostos por artista, coletivos, selos, festivais, residências e plataformas, como workshops, DJ sets, sessões audiovisuais, performances e etc. Dentre os brasileiros selecionados estão o festival CMC (Ciclo de Música Contemporânea), de Salvador; a Audio Rebel, espaço e estúdio que abriga as principais apresentações de nomes da música experimental brasileira e internacional no Rio de Janeiro; e os coletivos Tormenta e Marsha!, que se unem para apresentar estratégias de sobrevivência e tecnologias para a população queer, baseada na experiência de corpos dissidentes.

O CMC apresentará a performance intermídia “EXP_7flechas”, que envolve arte sonora, poesia, improvisação e movimento registrados em vídeo. A performance é criada pelo poeta mineiro Ricardo Aleixo; a dançarina e educadora negra feminista Candai Calmon; o performer Leonardo França; Bartira e Edbrass Brasil, cujos trabalhos têm o som como elemento central. A jornalista Paula Carvalho conversou com Edbrass Brasil sobre a concepção do trabalho em detalhes no último podcast da revista Bravo!, que pode ser ouvido por aqui.

O projeto “Conexão Roseti — Audio Rebel — Latino Power” revela a proeminência dos espaços selecionados e suas agências no universo artístico. Todos os três são espaços reconhecidos dentro da comunidade onde surgiram, trabalhando como suportes para apresentação de artistas locais e internacionais. Dentro do Festival, eles promoverão três sessões de improviso em trio, com um representante de cada país em cada uma das apresentações. Os trios são: Ana Maria Ruiz (CO), Jose M. Hernandez (AR) and Luisa Lemgruber (BR); Carlos Quebrada (AR), Kike Mendoza (CO) and Thomas Harres (BR); e Ana Maria Romano (CO), Carola Zelaschi (AR) and Marcos Campello (BR). Além da apresentações, haverá uma roda de conversa com o tema “Union and Cultural Exchange in Times of Social Isolation”.

Por fim, os coletivos Tormenta e Marsha! ocupam o último dia da programação propondo 8 horas de conteúdo, incluindo conversas workshops, shows, performances visuais e sonoras e documentários. Aqui, a linguagem artística é uma forma de resistência para as perspectivas não hegemônicas de existência. Os artistas que participarão da proposta são Alada, Alexza Paraíso, AnalCancer, Aun Helden, Badsista, Cunanny, Enko, FKOFF1963, Gabriel Massan, Irmãs Brasil, Jade Maria Zimbra, Jean Petra, Kelton, Meio da Terra, Miss Tacacá, Paulete LindaCelva, Papisa, Pininga, Puri, SCAPA, TRANSÄLIEN, Trinitas e Ventura Profana & Podeserdesligado.

Bati um papo breve com Chico Dub para entender como surgiu a ideia de promover o edital no período de pandemia, que interrompeu os trabalhos de investigação e produção artística da plataforma, e como foi a escolha de artistas tão diversos para compor a programação. Além de questioná-lo sobre a ideia de arte experimental e música exploratória, que são utilizados, na maioria das vezes, para se referir a produções que fogem a padrões de percepção da música e da arte em geral, deslocando não apenas a forma de concepção de criação de sons e sonoridades, mas também de fruição por quem recebe ou entra em contato com tais processos e obras.

Chico Dub é o principal curador de música exploratória e sound art no Brasil. Idealizador do Festival Novas Frequências, já assinou também a curadoria de outros eventos e festivais musicais (como Sonar São Paulo, em 2012; Red Bull Music Pulso em 2016 e Ruído em Progresso, uma das noites do festival Red Bull Music Academy em 2017, só para citar alguns, pois a lista é extensa) e exposições de arte que tem o som ou a música como elemento central, como as recentes Disco é Cultura, Lado B: o disco de vinil na arte contemporânea e Canção Enigmática: Relações Entre Arte E Som Nas Coleções MAM Rio, na qual se debruçou sobre o acervo do museu como curador convidado, realizando também ações performáticas na área externa da instituição. A importância do trabalho de Chico Dub no meio cultural hoje está em mostrar a articulação da música e do som com as diferentes linguagens artísticas, sobretudo no campo da arte contemporânea, que expande as concepções de meio, mídia e suporte para as obras, e em trazer à cena trabalhos que ficam fora das curadorias de grandes instituições e das coberturas da crítica.

Poro Aberto: O festival on-line In/Out vai ter 5 dias de duração e é composto por 11 projetos de 6 países diferentes da América do Sul. Como se deu a escolha dos projetos pra formar a programação, inclusive na sacada de juntar três coletivos associados aos seus espaços físicos, como são Roseti, Audio Rebel e Latino Power, que entram na programação promovendo o encontro entre três artistas, um representante para cada país (AR, BR e CO)?

Chico Dub: A escolha dos projetos foi feita a partir de uma chamada de trabalho, onde convidamos parceiros antigos do Coincidencia/ Incidências Sonoras e outros com quem ainda não havíamos trabalhado, mas que admiramos muito — projetos, digamos, no nosso “radar”. Propositalmente, o escopo da lista foi bem amplo: de selos à residências artísticas; de plataformas à festivais; de rádios à festas… Essas instituições, portanto, que nos trouxeram a programação.

Poro Aberto: Os projetos são bem diferentes entre si, tanto com relação às linguagens trabalhadas (que não são unicamente linguagens artísticas), os suportes que exploram na criação e na apresentação, mas também com relação ao público com que lidam e dialogam. Tem algum ponto em comum que você apontaria entre projetos tão diversos?

Chico Dub: A ideia por trás de montar o quebra-cabeças do In/Out foi justamente esta: diversidade. Seja na pluralidade de estéticas sonoras, nas geografias do Continente, nos formatos de apresentação, nas diferenças entre “instituições” (selos, festivais etc.) e nas questões de gênero. Talvez não exista um ponto comum, fácil de localizar, a não ser a busca pela experimentação de formatos e a reflexão do tempo (pandêmico) presente — ambas as propostas muito bem pautadas na chamada de trabalhos que lançamos.

Poro Aberto: Se não tivesse a pandemia, existiria um festival presencial pautado nessa pesquisa sua de curadoria, ligada ao Coincidencia, de trabalhos artísticos que exploram a música experimental, sound art e arte contemporânea? Se sim, onde e como ele ocorreria?

Não existiria. A ideia de realizar um festival só aconteceu mesmo em função da pandemia. A minha curadoria ligada ao Coincidencia — dentro da plataforma de música experimental e sound art Incidências Sonoras — trabalha com projetos pontuais espalhados ao longo do ano, como turnês, viagens de pesquisa, álbuns e residências artísticas e mixes, cruzamentos, entre estes formatos. Alguns projetos consegui adiar para 2021, já outros, ainda em fase de criação e desenvolvimento, foram cancelados para dar origem ao In/Out.

Poro Aberto: Qual a importância de se pensar um festival que coloca em diálogo tantos países da América do Sul (e suas diferentes regionalidades dentro desses países), seja para intercâmbio dos artistas, seja para o público que não está condicionado a olhar pra produção aqui do nosso próprio continente?

Chico Dub: O Coincidencia foi originalmente planejado como um programa de criação de intercâmbios culturais entre a Suíça e a América do Sul. Devido a pandemia e a fragilidade, em todos os sentidos, em que se encontra o Continente, surge a proposta de criar um festival inteiramente dedicado à música e à arte locais. Nos últimos meses vimos surgir diversos “editais de emergência” à classe artística. O In/Out não deixa de ser, portanto, um festival pautado dentro destas características. Em relação à sua pergunta específica, é maravilhoso que se possa pensar um evento deste porte envolvendo apenas a produção sul-americana. E tenho certeza que o país que mais tem a ganhar com isso é o Brasil; país ainda tão afastado, mesmo com nítidos avanços nos últimos anos, dos nossos vizinhos. A qualidade do material recebido pós-chamada de trabalho é chocante. Daria pra montar pelo menos mais 5 festivais com as propostas que chegaram. Na verdade, toda essa minha pesquisa envolvendo a América do Sul desde 2017 vem me colocando em xeque e me fazendo questionar diversos vícios e tendências na minha curadoria. Ano que vem conto mais sobre isso.

Poro Aberto: Na descrição do festival, o Incidências é descrito como uma plataforma da “nova música experimental e arte sonora”. Você acha que é problemático utilizar o termo “experimental” para caracterizar um determinado tipo de prática artística? Ou, por outro lado, que o termo acabou sendo, de alguma forma, eleito para se referir às práticas da arte contemporânea, que tem, como uma de suas características fundamentais, o esgarçamento entre as fronteiras não apenas das linguagens artísticas, mas também entre a arte e a ciência, a política e a expansividade dos próprios meios e suportes artísticos?

Chico Dub: Acho zero problemático! Mesmo polêmico (aliás, que guarda-chuva não é?), ainda acho o termo “experimental” o melhor já inventado para definir práticas que se propõem a expandir conceitos, propostas, fazeres e escutas. Tudo que alarga, tudo que amplia, tudo que confunde e desorienta, pode ser enxergado como experimental, sim. É um termo de rápido entendimento (prolixismo pra que quando se precisa comunicar algo que já é naturalmente complexo, como o universo que tange o experimentalismo?) e que facilmente simboliza, para os não-letrados, inovação, invenção, quebra de dogmas e paradigmas.

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