#poroabertoindica
Pedro Fonte — Filme do tempo
A pergunta que virou obrigatória em todas as entrevistas que tenho feito sobre novos discos é “Como fazer um lançamento durante a pandemia?”. Nesse período difícil para artistas, especialmente os brasileiros, a questão envolve aspectos que, muitas vezes, haviam sido decididos antes da nossa mudança de realidade, como cronograma, shows, turnês, entrevistas etc., além de uma questão sentimental. Muitas vezes os artistas comentam como é estranho lançar um trabalho e não ver o rosto e a expressão de quem ouve sua música.
Fiz essa mesma pergunta para o baterista Pedro Fonte, que acabou de lançar seu primeiro disco solo, Filme do tempo, e sua resposta foi bonita: “Entendi que esse disco lançado agora seria marcado como o que ele é, um disco de 2020, desse pedaço da história que estamos vivendo. Depois de lançado percebi que minha música pôde servir de alento nesse momento difícil e trouxe questões importantes à tona pra quem parou pra escutar.” Sendo o tempo a questão principal abordada por Pedro no disco — quer dizer, que música não tem o tempo como elemento central, né? -, faz todo sentido a ideia do disco pertencer ao seu tempo histórico. E é, também, um ato de generosidade entregar um álbum ao mundo nesse período e, com pouco mais de 28 minutos, poder melhorar a manhã, o dia ou a semana de alguém.
Pedro oferece um trabalho primoroso nesse seu primeiro disco, com arranjos bem realizados, sonoridades múltiplas e ritmos variados. Ritmos garantidos, na maioria das vezes, pelo próprio, já que ele assume todas as baterias e percussões do disco. Seu trabalho como baterista, aliás, vem se destacando há um tempo com os outros projetos do qual faz parte, como o Exército de bebês e Os Dentes; ou que participou/participa, como tocando com Mãe Ana e Rubel.
Filme do tempo conta com um grande time de talentosos músicos e ganhou belo um texto-roteiro de apresentação de Marcelo Callado. Acessando o Bandcamp de Pedro dá pra ter acesso tanto à ficha técnica, quanto ao texto. Vale a pena!
Segue o papo que bati com Pedro Fonte sobre Filme do tempo.
Ps: Já comentei inúmeras vezes nesse blog como sou entusiasta de uma turma de jovens músicos cariocas, da qual Pedro Fonte é parte, por isso não me alongarei nesse assunto. Mas repito que é preciso prestar atenção nesses artistas: Pedro Fonte, Guilherme Lírio, Ana Frango Elétrico, Raquel Dimantas, Antônio Neves e muitos outros.
Poro Aberto: Bom, a primeira pergunta é aquela mais óbvia de todas: como foi o processo de, depois de tantos anos e projetos, gravar seu próprio disco? Aliás, conta um pouco também de como e quando você começou a tocar e por que você escolheu a bateria?
Pedro Fonte: Acho que é um processo que vem de muitos anos e começou a maturar em 2018, quando me senti cada vez mais confiante nas minhas composições e, ao mesmo tempo, tinha acumulado uma certa bagagem no estúdio e nos palcos com vários artistas. Eu vejo como um acúmulo de influências e ferramentas que vem lá de trás, quando comecei a tocar bateria e me interessar por música aos 9 anos. Não lembro bem porque, mas eu pedi muito pros meus pais me comprarem uma bateria, eles não cederam de primeira, mas me colocaram pra fazer aulas e daí foi um passo pras primeiras bandas de rock na escola etc. Mas voltando pro disco, acho que ele é fruto de uma troca que foi ficando cada vez mais intensa ao longo dos últimos anos com muitos amigos músicos/compositores/produtores. Fui aprendendo com eles e realizando que eu também tinha que fazer meu próprio disco depois de ter estado por trás de tantos na bateria. Outra coisa que vale mencionar é o estúdio onde foi gravado, que é como uma segunda casa pra mim. O Estúdio Carolina, em Santa Teresa aqui no Rio, foi fundamental pro disco existir. Meus amigos Angelo Wolf, Gus Levy, Kayan Guter e Carol Buus são parte do disco, me acolheram e me deram tranquilidade pra trabalhar. Alguns discos se relacionam profundamente com lugares físicos, acho que o meu não existiria se não fosse o estúdio.
PA: Acho que as letras dão uma ideia de porque o disco chama Filme do tempo, tem até uma faixa título, mas o que essa ideia representa pra você? Se cada momento da vida pode ser como o clímax de um filme, como diz a letra de “Nuvem”; ou se tem mais a ver com perceber um fio da vida, como dizem os versos “Viver as histórias das memórias/Nossos pais/Plantam filhos, folhas, galhos tortos” e tal.
PF: Minha ideia era fazer um retrato em movimento das nossas memórias e histórias, uma ótica muito particular de uma pessoa vivendo no nosso tempo. Acho que acaba sendo extremamente pessoal, mas não teria como ser diferente. Ainda assim tentei me ater a questões que acho muito humanas e relevantes pro nosso tempo. Acho que o disco é bastante apocalíptico, apresentando um fim que parece muito claro logo ali adiante, mas também tem um olhar atento pra nossa ancestralidade e pras nossas sensações presentes, coisas que nos aterram, iluminando um lado muito esperançoso.
O disco é sobre essa dualidade. De um lado, os sentimentos, as texturas, as conexões reais, a natureza, o amor, sonhos, memórias, histórias (como o clímax amoroso de “Nuvem” e a introspecção de “Filme do tempo”). Do outro, efemeridades, pixels e telas, ilusões, projeções, premonições, medos e inseguranças (como em “Rapzódia” e se afasta da luz). É sobre como essa dualidade é intrínseca a todas as nossas questões e ações. De alguma forma esse é o tema que amarra todas as músicas.
PA: Você tem muitos (muitos mesmo) parceiros nesse disco, né? São vários instrumentos, instrumentistas e vozes femininas. Como foram pensados os arranjos e como cada um se encaixava no que você imaginava de sonoridade pro seu disco (que, assim, como o trabalho do Exército de bebês, achei que é bem suingado, com um groove em cima)?
PF: Sim, são muitos parceiros, muitas vozes no disco. Essas são as pessoas com quem mais convivi musicalmente nos últimos anos, alguns são parceiros de vida inteira. São peças fundamentais pra minha musicalidade, acho que pra esse primeiro disco onde eu estava encontrando uma sonoridade própria, precisei contar com o que cada um tinha pra dar. Eu tinha os arranjos na cabeça, mas ao mesmo tempo sabia que cada um ali poderia acrescentar muito. Amarrei bem as ideias principalmente com a fundação rítmica do disco, onde eu tinha mais confiança, e gravei com a banda base primeiramente (Guilherme Lírio e Gabriel Loddo revezando baixo e guitarra e João Werneck também na guitarra). A partir dessa gravação das bases acho que tudo ficou mais sólido e aí vieram as muitas camadas do disco. O Rudah Guedes fez os arranjos de sopro que também foram fundamentais pra criar a atmosfera das canções e precisavam estar bem amarrados.
Eu tinha uma ideia bem clara de onde queria chegar partindo das minhas influências, mas acho que o mais legal de todo o processo foi ver como cada músico deu a sua cara, deixando evidente que é um disco feito a muitas mãos. Sempre fiz questão de deixar todo mundo bem solto e isso resultou em muitos lugares inesperados.
PA: Quando a quarentena começou, o disco já estava pronto? Como foi lançar ele nesse momento?
PF: O disco foi gravado inteiro em 2019. Quando a pandemia chegou aqui no Rio, em meados de março, o Angelo Wolf tava começando a mixar. Primeiro hesitei em lançar durante a quarentena, imaginando que íamos ver dias melhores logo, mas em seguida percebi que o disco fala sobre questões relevantes pra esse momento louco que estamos vivendo. Achei que valia a pena terminar a mix e master, lançar e entender como as pessoas reagiriam, apesar de perder a oportunidade de ter um lançamento num momento normal, com shows etc. Entendi que esse disco lançado agora seria marcado como o que ele é, um disco de 2020, desse pedaço da história que estamos vivendo. Depois de lançado percebi que minha música pôde servir de alento nesse momento difícil e trouxe questões importantes à tona pra quem parou pra escutar.