O valor dos discos de vinil e o mercado de selos independentes

Entrevista com Dominik Bartmanski sobre o livro “Labels: making independent music”

PoroAberto
5 min readJul 17, 2019

Dominik Bartmanski e Ian Woodward lançarão em dezembro deste ano o segundo livro que escreveram juntos: Labels: Making Independent Music, pela editora Bloomsblury e já disponível para pré-venda no site da Amazon. O livro é resultado de um longo projeto empreendido pelos pesquisadores desde pelo menos 2012. Bartmanski é professor e pesquisador na Technische Universität Berlin e Woodward é professor na University of Southern Denmark. Em 2015, eles lançaram o fundamental Vinyl: the analog record in the digital age, que discute o porquê dos discos de vinil voltarem a ser objetos altamente valiosos. Utilizando-se de seu background na sociologia cultural, os autores investigam o revival do vinil a partir de categorias controversas tanto para a arte, quanto para a sociologia, como aura, singuralidade, cópia, ritual, produção de significado etc.

Tratando o retorno mercadológico do vinil não apenas como um renascimento do objeto numa indústria saturada e cada vez mais fragmentada, os autores recusam-se a ver a volta do vinil apenas como uma moda do que é vintage ou retrô, ou que tal atitude seja parte de um sentimentalismo nostálgico. Para os autores, a visão de Walter Benjamin sobre a perda da aura da obra de arte na modernidade precisa ser nuançada. Segundo os autores, é preciso tomar a categoria de forma analítica — e não normativa, como teria feito Benjamin — para dar conta da multiplicidade de formas de reprodução em nosso tempo. Assim, o vinil, um meio analógico de reprodução musical, proporciona uma forma única de ouvir música, uma experiência. Em primeiro lugar, o vinil demanda um ritual: colocar o disco, ouvir suas duas metades separadamente, prestar atenção ao momento de virar seu lado, ter cuidados específicos com o seu material e com a vitrola, empenhar-se em pesquisar e buscar pelo discos. Ao longo da audição de um vinil, é preciso que o disco seja possuído, tocado e cuidado. Em segundo lugar, ao contrário do formato digital, em que uma música pode ser copiada infinitas vezes, o vinil tem edição limitada e, enquanto objeto cultural, ele pode conter e contar uma história. Assim, ser uma “cópia” não diminui sua singularidade.

O vinil nunca morreu. Ele pode ter ficado em baixa e fora de circulação do mercado oficial com a ascensão do CD e do mp3, no entanto, seu comércio sempre esteve ativo em mercados de coisas usadas. O vinil nunca foi abandonado por DJs, colecionadores e pesquisadores, tendo relevância simbólica para gêneros e ritmos musicais como o hip hop, o dub, o techno, o house, dentre outros. Isso ajuda com que hoje um álbum de vinil tenha valor a ele agregado. Por exemplo, as primeiras impressões de um disco, ou discos já fora de circulação ou que foram pouco vendidos e conhecidos pelo público, mas que são “bombados” — nesse sentido, no Brasil temos vários exemplos, como o de Arthur Verocai e seu disco homônimo de 1972, que voltou ao público via samples de DJs de hip hop americanos. Fora o fato de que é preciso pensar que alguns álbuns foram gravados no estúdio pensados para aquele formato específico — será que o vinil não é a forma adequada de ouvir um álbum de Miles Davis ou Rolling Stones, por exemplo? Já quanto aos discos lançados agora, eles também são prensados em números limitados, mesmo que alcancem bom número de vendas, o que os torna mais procurados.

E é daí também que vem a chave para a segunda empreitada de pesquisa sócio antropológica dos autores para o segundo livro. Eles pesquisaram selos independentes, sobretudo de música eletrônica em diversos países: Alemanha, Reino Unido, Japão e Brasil. Buscam compreender como o mercado de música fora do mainstream se organiza e resiste, de um lado, à extrema fragmentação da produção musical, e, por outro, à monopolização do setor por algumas indústrias.

Obviamente que a visão expressada pelos autores é carregada pela perspectiva dos estudos culturais, como a sociologia cultural de Jeffrey Alexander. O disco de vinil é objeto de análise e trabalho de inúmeros outras áreas pesquisas, como a arte contemporânea, onde vemos, muitas vezes, o disco tendo sua função deslocada de contexto, porém sua forma ressaltada.

Realizei uma entrevista sobre o projeto com Bartmanski, que segue abaixo:

PoroAberto: Como surgiu a ideia do livro “Label — Making independent music”? Foi um passo natural depois da sua primeira colaboração com Ian, no livro “Vinyl: the analogue record in digital age”?

Dominik Bartmanski: Sim, o livro é uma extensão natural do “Vinyl”. O primeiro livro é sobre as qualidades e significados da iconicidade do objeto analógico na era digital (o disco de vinil), enquanto que o Segundo livro é sobre a organização social e cultural da produção de vinil atualmente. O foco de ambos os livros está prioritariamente nos produtores eletrônicos independentes.

PA: Como foi feito o trabalho de campo?

DB: Etnografia urbana, observação participante — principalmente em Berlin, e mais de 40 entrevistas semi-estruturadas que foram conduzidas com os agentes pelo mundo: Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Brasil, Rússia, Polônia, Austrália, França etc.

PA: Para você, o que é mais interessante e excitante nas formas analógicas de distribuição de música hoje em dia?

Discos analógicos são obras de arte palpáveis. Eles significam comprometimento, dedicação, atitude estética, habilidades curatoriais… enquanto a lista de coisas que escutamos se torna cada vez maior, o alcance de nossa atenção se torna cada vez menor. Os discos analógicos restauram um senso de foco e engajamento tátil na ou com a música.

PA: Como você espera contribuir para a sociologia da música com essa pesquisa e por que? Você considera que a sociologia da música está a par dos novos arranjos do “mundo da música” (suas tecnologias, meios, relações, agentes, estética etc.)?

DB: É difícil resumir isso, as pessoas precisam ler o livro que vai chegar ao Mercado em dezembro de 2019. Mas em poucas palavras: música não é apenas dados, música é experiência, e não apenas shows, mas também o ato de ouvir, de aprender sobre os artistas e os significados de seus trabalhos. Sociologicamente, “Labels” é um livro que mostra instanciações específicas da re-articulação daquilo que Richard Sennet chamou de o valor da habilidade artesanal (values of ‘craftsmanship’). As pessoas que gerenciam pequenos selos independentes hoje, geralmente com pequenas projeções de lucro, são pessoas com habilidades artesanais no sentido de que fala Sennett, mas — como nosso livro mostra -, há mais do que isso. Minha intenção foi mostrar como no mercado internacional de música, quase todo dominado por basicamente três grandes corporações, ainda há espaço para a criatividade musical não padronizada e não mainstream, que o ethos DIY continua a existir e que é nele que as novas ideias e sensibilidades estão sendo criadas. Novos e excitantes movimentos musicais nunca surgem do mainstream, eles sempre vêm das margens, do underground, das ruas, do movimento queer. Nós não devemos nos esquecer disso.

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