Black Rio! Black Power! - filme mostra a história dos bailes de soul e o poder da cultura negra

PoroAberto
4 min readMar 25, 2024

“Black Rio! Back Power” é o novo filme de Emílio Domingos, que conta a história dos bailes de soul dos anos 1970 no Rio de Janeiro através de personagens que viveram todo o movimento, especialmente seu maior articulador e idealizador, Dom Filó. Depois de desvendar os bailes funks através dos dançarinos de passinho, a moda dos cabelos dos meninos e das roupas entre jovens moradores das favelas do Rio de Janeiro, o antropólogo e cineasta agora retrata o começo de tudo.

Dom Filó no documentário “Black Rio! Black Power!”

A locação do filme é o clube Rocha Miranda, que nos anos 1970 abrigou os bailes de soul e as aparelhagens de som da equipe Soul Gran Prix, do próprio Filó. Os bailes eram frequentados por um público de mais ou menos 3 a 5 mil jovens negros, vestidos com estilo próprio, cabelo black power, sapatos de plataforma, boca de sino e muita habilidade para dançar como James Brown.

Seguindo o formato de entrevistas, esse é o filme de Emílio Domingos que mais lembra o estilo do mestre Eduardo Coutinho, com quem trabalhou. Câmera parada, entrevistado de frente para o entrevistador, atrás da câmera, materiais que provocam a memória e depoimentos emocionantes. As falas são permeadas também por imagens de arquivo, que às vezes se repetem, o que dá a sensação de que os registros de época são raros e, provavelmente, foram de difícil acesso — o que foi confirmado no bate-papo que rolou em seguida à exibição.

Aliás, essa era a parte que, antes de assistir ao filme, eu, particularmente, estava mais interessada em ver e saber. Alguns dos registros são de arquivos pessoais, outros, de jornais. Inclusive uma reportagem do Fantástico, com uma carga pesada da emissora contra os bailes, afirmando que a juventude negra dos bailes black estavam indo de encontro ao nacionalismo da arte brasileira e do samba. O que nem de longe foi real, visto que as mesmas pessoas circulavam muito bem pelos dois ambientes. Mas em plena ditadura militar, qualquer fio de cabelo fora do lugar era motivo para repressão, ainda mais se tratando da população negra. Inclusive, o filme coloca seus personagens para interagirem com o relatório do DOPS, resgatado pela Comissão Nacional da Verdade, que tenta incriminá-los (o que lembra, também, o mote do filme “Narciso em Férias”, com Caetano Veloso).

A década era 1970, o mundo testemunhava ascensão dos movimentos negros, Angela Davis, Panteras Negras, Martin Luther King… à medida que os ventos libertários chegavam por aqui, a palavra se espalhava. Dom Filó, personagem central, era o “brabo”, como se diria hoje, incentivando autoestima, conhecimento, estudo, afirmação, participação política, organização e denúncia. Um dos entrevistados, dançarino dos bailes, o chama de “Zumbi” de seu tempo.

O movimento Black Rio, que adentrou às gravadoras e deu origem à banda de mesmo nome, teve tempo de vida contado. Por muitos motivos, mas sobretudo com a ascensão da Disco Music e uma propaganda pesada em torno dessa nos meios de comunicação de massa. Sua marca e sua história ficou e ainda bem que podemos ver e ouvir da boca de seus criadores como foi que tudo aconteceu. Com uma grande pena, claro, de que muitos foram ficando pelo caminho (como Gerson King Combo) antes que o projeto do filme, iniciado por Emílio em 2011 (!), ou seja, ao mesmo tempo em que “Batalha do Passinho” era realizado. Por isso um dos grandes méritos do filme é não se perder na história que está contando, centrando-se no protagonismo de Filó e sem entrar fundo, por exemplo, na história de Carlos Dafé, presente no filme, ou da banda Black Rio.

É muito importante que, finalmente, a história da Black Rio tenha ganhado as telas, com os méritos todos da pesquisa de Emílio Domingos como antropólogo, roteirista e diretor, com a repetida parceria de sucesso com o diretor de fotografia Leo Bittencourt e pesquisa de arquivo feita por ninguém menos que Antônio Venâncio.

Ao fim da exibição, além do bate-papo, nomes de peso dos bailes de São Paulo, apresentados no último filme que Domingos dirigiu, o “Chic Show”, ainda deram uma amostra de seus talentos no palco do Cine Sesc.

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