As cores desconhecidas que compõem o Lume Púrpuro de MNTH

PoroAberto
3 min readApr 30, 2024
Lume Púrpuro — MNTH (Desmonta)

Lume Púrpuro é a construção de uma paisagem inventada através de cores inexistentes, que ganha em profundidade interna quanto mais se amplia. O álbum é o terceiro de MNTH, projeto do produtor e artista sonoro Luciano Valério, também criador e responsável pelo selo Desmonta, e conta com a colaboração tanto de antigos quanto de novos parceiros do músico, como Maurício Takara, Carla Boregas, Rogério Martins, Lello Bezerra e Rodrigo Hara.

As faixas formam um desenho etéreo da fantasia concebida em torno de um estado físico e mental meditativo, delineado já na primeira faixa, “Quimera”, que soa como um primeiro contato. Sem linha melódica ou ritmica definida, lembra o tatear inicial de um encontro de improviso, do qual emana cuidado e tensão. Passada a abertura enevoada, ao poucos vamos ouvindo diferentes elementos sonoros se fragmentarem por camadas que se sobrepõem sem se anular.

Ora é a bateria de M. Takara que chega à frente, soando coesa enquanto um universo ruidoso se desdobra em uma massa carregada de sons; noutros momentos, é a guitarra preparada de Lello Bezzerra que se destaca, com seus pedais e processamentos, gerando sua “polirritmia eletrônica”. Não há predominância de padrões. Um looping pode ser apresentado junto a uma melodia, amparada ou suplantada pela percussão quase que ritual de Rogério. Os beats geram um espectro ressonante próprio que vai crescendo e se expandindo, sem nunca se retrair — o que, paradoxalmente, parece ser parte do processo para se alcaçar o silêncio, um suposto equilíbrio, forjado para que em seguida venha a quebra.

E assim, surgindo de uma maneira diferente em cada faixa, os volumes e timbres dão o tom da viagem que, por mais que siga caminho cheio, ressalta o intervalo que remete(ria) a essa pausa. A ideia se conecta com a intimidade criada na terceira faixa, “Inclinação ao silêncio”, com uma espécie de refrãozinho que se repete depois de uma introdução que parece dialogar com os experimentos de Carla Boregas em Pena ao Mar. Enquanto que “Corda Solta” tem como base a bateria e a piração na guitarra, chuva de synths que ora preenchem a mente, ora a atravessam, às quais se somam os padrões cíclicos da percussão grave.

“Venturo” pode soar a mais compreensível em sua forma aparente porque entrega de imediato sua aura de mistério em uma levada mais ou menos contínua de bateria funkeada. Mas ela é um ponto fora da curva, já que em “Vórtice” voltamos a acompanhar uma evolução não linear rumo ao transe eletrônico.

Assim, Lume Púrpuro passeia por caminhos criativos que buscam soluções transformadoras para os encontros sonoros os mais diversos que carrega. E que, por fim, deságua na mais solar das alquimias em seu encerramento, com “A entrega das cores”.

Lume Púrpuro
Selo Desmonta
Luciano Valério (synths, eletronic drumms, sampler, pedais), Mauricio Takara (bateria e percussão), Lello Bezerra (guitarra), Marco Nalesso (viola), Carla Boregas (orgão), Rogério Martins (percussão) e Rodrigo Hara (baixo)
Produção: Jakub Zolek (Polônia)
Abril, 2024

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